A história a seguir é fictícia, mas foi totalmente inspirada em uma série de acontecimentos reais. Acompanhe com atenção as surpresas e veja se você consegue identificar os erros ocultos:
Marcelo era um jovem profissional, que foi efetivado numa grande empresa logo após concluir o seu estágio. Nesse ambiente corporativo, enfrentava longas jornadas de trabalho.
Por conta disso, decidiu que era o momento de comprar o seu primeiro carro, para evitar o transporte público precário. Embora seu orçamento fosse restrito, ele priorizava um carro que transmitisse uma boa imagem e um certo status.
Em busca de um veículo que “combinasse” com ele, resolveu pedir opiniões para amigos e colegas de trabalho, bem como nas redes sociais, ficando com alguns modelos em mente.
Ao passar em frente a uma loja de carros usados, ele aproveitou para ver os carros à venda e encontrou um SUV compacto, ano 2006, que estava sendo vendido com um preço 10% abaixo da tabela FIPE.
Ele se encantou com o carro e achou que era mesmo uma oportunidade imperdível, como estava escrito no para-brisa. Dessa forma, sem ao menos realizar o test-drive, fechou o negócio com certa rapidez, optando por financiar 50% do preço.
Após a aquisição, ele levou o carro para uma troca de óleo e teve a primeira surpresa: a quilometragem constante no hodômetro era superior ao que estava marcado no adesivo afixado no para-brisa.
Ele acabou deixando isso de lado porque já pensava na viagem surpresa que faria com sua namorada e um casal de amigos para a praia na semana seguinte.
No trajeto, ele notou que o desempenho do carro era insatisfatório para o seu perfil, o que ficou mais claro na hora de subir a serra na volta.
E o motivo era evidente: o motor 1.0, apesar do turbo, era insuficiente para o porte do veículo, ainda mais carregado.
Desmotivado, ao chegar na apertada garagem do seu prédio, ele acabou batendo a traseira na parte dianteira de um carro importado alemão, danificando o seu para-choque e um dos para-lamas.
Como não havia contratado seguro, teve que arcar com o custo do reparo de aproximadamente R$ 3.800,00.
Na semana seguinte, praticamente nem pensou no carro em função do intenso ritmo de trabalho. Mas, na sexta, após deixar o escritório exausto, já na madrugada, ele estava numa pista expressa quando um cachorro cruzou a via.
Com reflexos prejudicados, acabou fazendo uma manobra brusca e, por muito pouco, não perdeu o controle e capotou o carro, que mostrou pouca estabilidade naquele momento.
Totalmente desapontado com seu veículo, ele decidiu colocá-lo à venda, mas há meses aguarda uma proposta razoável pelo fato de que o carro é considerado um mico no mercado.
Então, você conseguiu enxergar os pontos problemáticos na história? Vamos a eles e entenda como podem ser ainda mais sérios do que aparentam.
1. Valorização excessiva da imagem e status
Como sabemos, o consumo tem sido cada vez mais baseado em aspectos emocionais. Por conta desse fator, as pessoas optam por comprar bens que causem uma determinada impressão sobre elas perante os outros.
Na nossa história, embora tenha ocorrido a compra de um carro usado, houve a opção por um SUV para transmitir uma imagem de mais imponência e espírito aventureiro.
O marketing e os vendedores exploram bastante essa ideia relacionada com as aspirações das pessoas. Dessa forma, as decisões de compra deixam se basear nas necessidades e passam a ser norteadas pelos desejos.
E, como os desejos são infinitos, o nível de satisfação tende a ter curto espaço de duração.
Aliás, as reformulações e diversos lançamentos no mercado buscam tornar obsoleto o design dos carros, para que o consumo inconsciente possa permanecer em níveis elevados.
Como costumo destacar, acho importante que o carro esteja de acordo com o gosto pessoal.
No entanto, esse fator somente pode ser levado em conta após a análise de outros aspectos prioritários, como a qualidade, segurança e impactos financeiros.
2. Recomendações: não se baseie apenas em opiniões das pessoas próximas
Nossos amigos e conhecidos, por mais bem intencionados que sejam, na maior parte das vezes, não têm conhecimento suficiente ou possuem visões parciais sobre os carros.
Além disso, como normalmente não há tempo para aprofundar as conversas, as opiniões costumam ser superficiais.
Muitos são apenas usuários dos seus automóveis e não levam em conta todos os aspectos financeiros e técnicos envolvidos.
Existem também outras pessoas que se interessam mais sobre o assunto, mas dificilmente conseguem ter ou expressar todas as informações que são essenciais para que você possa definir sua compra.
Por isso, o mais aconselhável é ouvir essas opiniões em caráter complementar.
Para que a escolha de qual carro comprar seja consciente, é necessário pesquisar, com atenção, o que é relevante no carro para você, e não para os outros.
E, claro, sempre procure informações confiáveis e realmente de qualidade, ao contrário do nosso amigo da história que deixou o planejamento de lado.
3. Compras impulsivas podem gerar grandes arrependimentos
O controle emocional é fundamental no momento de definir qual carro comprar, principalmente porque se trata de um dos maiores gastos que temos em nossas vidas, tanto para comprar como para manter.
Nesse sentido, existem dois inimigos que precisam ser evitados a todo custo: (i) a ansiedade e a (ii) crescente valorização do imediatismo por parte dos consumidores.
Essa ausência de paciência pode levar ao fechamento de negócios ruins e precipitados apenas em função de um falso senso de urgência, que inclusive é bastante explorado nos processos de venda.
Quem não se lembra do “é só neste fim de semana”?
Em relação às compras impulsivas, como a do exemplo, vale destacar que os carros são máquinas extremamente complexas, compostos por milhares de componentes, que trafegam nas precárias superfícies existentes no Brasil.
Desse modo, embora eu reconheça o valor de comprarmos bens compatíveis com nosso gosto pessoal, é extremamente importante que a escolha do seu carro seja feita de forma consciente.
Para tanto, é necessário planejar, pesquisar, testar e confirmar uma série de informações relevantes antes de focar no design e nos aspectos emocionais.
4. A qualidade do carro e do seu projeto precisam de atenção
Na escolha do referido SUV compacto, certamente não houve uma análise criteriosa da qualidade do veículo, considerando as características do projeto e técnicas.
Sobre o projeto, pensando na realidade que vivemos no país, devemos lembrar que os carros podem ser, basicamente, classificados em três grupos: (i) projetos globais; (ii) para mercados emergentes; ou (iii) apenas para o Mercosul.
Via de regra, os projetos globais são as melhores opções, considerando que são desenvolvidos para atenderem os países de Primeiro Mundo, que contam com consumidores mais exigentes e legislação mais rigorosa, principalmente no que se refere à segurança.
Por outro lado, os carros desenvolvidos para mercados emergentes tendem a apresentar plataformas, estrutura e componentes de qualidade relativamente inferior, considerando que são otimizados visando à redução dos custos de produção.
Isso não significa que sejam necessariamente péssimos carros.
Mas são poucos os que apresentam padrões razoáveis de qualidade e segurança, o que é acentuado quando pensamos nos veículos somente destinados ao Mercosul, como foi o caso do carro escolhido na história.
5. Comprar um carro usado pode ser uma boa opção, mas exige cuidados
Para que a compra de um carro usado seja uma alternativa realmente interessante, é necessário que seja bastante criteriosa.
Como normalmente comento com meus clientes da consultoria automotiva pessoal Carro e Dinheiro, o critério fundamental para essa compra é resumido na seguinte frase: “é bom comprar um bom usado”.
O uso proposital de duas palavras “bom” significa que o modelo escolhido deve ser um (i) bom projeto, em termos de qualidade, e deve apresentar (ii) boas condições de conservação.
Portanto, o estado do carro deve ser encarado como prioridade inclusive em relação ao preço, considerando que “o barato pode sair caro”.
Aliás, pelo que observo, a maior parte das frustrações com usados decorre da busca por supostas pechinchas, com preços bem abaixo da tabela.
Por isso, é necessário entender os motivos pelos quais o carro está com um desconto, o que pode decorrer das suas condições ou de seu posicionamento no mercado.
Além disso, existem uma série de aspectos técnicos, jurídicos e financeiros que precisam ser levados em conta na hora de efetivar o negócio.
Na história acima, evidentemente os pontos essenciais não foram checados e, além do carro não ter um bom projeto, também demonstrava sinais claros de adulteração de quilometragem, revelando que seu estado não era dos melhores.
6. O test-drive é essencial
O test-drive é um procedimento indispensável na compra inteligente de um carro.
O objetivo é ter uma experiência prática, dentro do possível, para sentir como serão as condições de uso que você enfrentará com o veículo.
Lembre-se de que você gastará um valor considerável na compra.
Não é interessante, portanto, adquirir um bem no qual você não se sinta bem e confortável ao dirigir.
Mais do que isso, o teste permite avaliar se o carro atenderá as suas necessidades e prioridades, o que permitirá que você tenha a confiança necessária para a compra.
7. Entenda quais são suas necessidades e de qual carro você precisa
Para fazer sentido, a compra de um novo carro deve ser baseada em motivos reais.
Por isso, vale parar e refletir sobre as suas necessidades que deverão ser atendidas, esclarecendo o porquê da compra.
Pense na seguinte questão:
“Afinal, para que eu preciso de um novo carro e por que devo escolher determinado modelo?”
Para tanto, o autoconhecimento é muito importante, bem como a definição e respeito pelas suas prioridades pessoais e familiares, considerando as condições de uso do carro.
Por exemplo, usando uma metáfora, se você precisa apertar parafusos, provavelmente irá a uma loja para comprar uma chave de fenda.
Obviamente, a aquisição de um martelo não resolverá o seu problema.
O mesmo raciocínio deve ser aplicado aos veículos, porque não faz sentido, ilustrativamente, comprar uma caminhonete apenas para levar crianças para a escola no próprio bairro.
Por isso, busque veículos que ofereçam aquilo que realmente você precisa.
Na história relatada, o carro é nitidamente inadequado pelo desempenho, dimensões e pelas condições de utilização.
8. Contrate um bom seguro
É importante proteger o seu patrimônio e, principalmente, estar resguardado contra danos causados a terceiros.
Considerando a realidade brasileira, acredito que o seguro é indispensável para a grande maioria das pessoas.
No que se refere à propriedade do veículo em si, a proteção é importante porque os gastos com reparos subiram muito nos últimos anos.
Além disso, é importante se precaver contra eventuais perdas do veículo, envolvendo colisões, furtos ou roubos.
Mais imprescindível ainda é a proteção contra terceiros, porque podem ser causados danos a outros bens e pessoas, sendo impossível prever a extensão dos custos.
Finalmente, outra dica é realizar a cotação do seguro do carro pretendido antes da compra, para saber exatamente quais serão os custos envolvidos para o seu perfil, bem como para evitar surpresas desagradáveis futuramente.
9. A segurança de um carro pode fazer a diferença na sua vida
O fator segurança é um dos aspectos absolutamente essenciais e merece muita atenção, embora seja esquecido pela maior parte dos consumidores.
Afinal, vida e saúde são valores que estão acima de todos os outros.
Como estamos no Brasil, essa análise é ainda mais relevante, porque boa parte dos carros (principalmente os populares, mas não somente eles) apresenta padrões de segurança questionáveis e com décadas de atraso em relação aos similares europeus e americanos.
Esse cenário é decorrente do fato de que estamos num mercado emergente, como já foi exposto.
Exemplificando o atraso brasileiro, somente em 2014 foi implementada a obrigatoriedade de airbag duplo e freios ABS. Esses itens já estão presentes há muitos anos nos carros dos mercados desenvolvidos.
Aliás, na Europa já é o obrigatório o Programa Eletrônico de Estabilidade (ESP).
No caso da nossa história que envolveu um carro com centro de gravidade elevado, esse componente poderia ter sido decisivo para evitar a situação risco de capotamento e perda de controle que quase culminou em algo trágico.
10. Informe-se sobre o carro e o mercado
Antes de comprar um carro, você realmente precisa se informar sobre as condições do mercado. Para tanto, lembre-se destas duas perguntas:
- “Você analisou todos os veículos do segmento do qual pretende comprar?”
- “Você pesquisou as condições do mercado que são importantes em relação ao carro pretendido, incluindo o seu nível de aceitação?”
Para ilustrar a importância dessas atitudes, temos os carros que estão no fim do seu ciclo ou possuem projetos extremamente defasados, bem como aqueles que são considerados micos.
No caso do SUV da história, trata-se de um carro que teve baixa aceitação justamente por conta do seu motor 1.0.
Dessa forma, o aparente desconto na hora da compra acaba se tornando um prejuízo futuro quando levamos em conta a desvalorização crescente e a dificuldade de revenda.
Conclusão
Como sabemos, os carros representam altíssimos impactos financeiros nos nossos orçamentos.
Por isso, principalmente para quem valoriza a construção do seu patrimônio, a escolha de qual carro comprar não pode ser tão simples como a aquisição de uma camiseta ou mesmo de um celular.
Aliás, você provavelmente conhece casos de arrependimentos que custaram caro.
Mas, além do lado financeiro, existem outros aspectos importantíssimos que acabam sendo esquecidos em compras impulsivas, como a análise cuidadosa do fator segurança.
Realmente a escolha de um carro no Brasil não é uma tarefa fácil, e eu mesmo já enfrentei dificuldades no passado.
E, se ocorrem tantas compras equivocadas, a responsabilidade não é apenas do consumidor, considerando que há muitos carros que estão posicionados no mercado em desacordo com qualidade que possuem.
Nos últimos anos, atuando como consultor automotivo pessoal, a frase que mais ouço dos meus clientes é a seguinte: “Nossa, Mattera, como há coisas importantes que eu, muito leigo ou leiga, nem imaginava!”.
Esse reconhecimento é bem gratificante.
Afinal, para mim, sempre é dolorido ver pessoas pagando verdadeiras fortunas por carros que não valem o que custam. E o meu sincero desejo era de contribuir mais para alterar essa realidade.
Dessa forma, com o objetivo de orientar as pessoas que dão valor ao seu dinheiro e querem comprar o melhor carro para o seu perfil e seu bolso, recentemente publiquei o livro digital “Como Escolher o Seu Carro Ideal”.
O livro traz o roteiro completo com todos os passos necessários para a compra de um carro que deixará você e sua família satisfeitos.
Aliás, imagine como seria a sua sensação ao conseguir comprar, dentro das possibilidades do mercado, um carro com boa qualidade, seguro, relativamente econômico e de acordo com o seu gosto, sem precisar gastar uma fortuna para comprar e manter.
Se você considera isso tudo importante e quer saber mais, convido você a conhecer os detalhes sobre o livro digital “Como Escolher o Seu Carro Ideal”, acessando agora o site oficial, neste link.
Finalmente, quando realizamos boas escolhas também estamos contribuindo para a evolução do nosso mercado.
Dentro das possibilidades, podemos fazer a nossa parte em busca do melhor custo-benefício, desde que saibamos quais são os passos necessários.
E lembre-se da frase atribuída a Pablo Neruda:
Você é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências.
Obrigado pela atenção e um grande abraço.
Imagens de shutterstock.com.